quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Ela

(Soneto I)

Espectro sombrio e sepulcral
Que oprime e faz fenecer toda a vida,
Que a sufoca de maneira fatal
Quando vagas, Oh! Caveira incontida.

Em seu louco passeio só de ida
Espalha o Medo e o Fim pelo caminho...
Pobre Homem, numa luta renhida
E vã, cai flagelado, em desalinho.

E no chão permanece, até o pó!
Privado do mundo, lançado ao Nada
Apodrecendo, abandonado e só!

Morbidez e egoísmo: essa é a Morte.
Qu' Eterna, insaciável e calada
Passa. E nós? Qu' imploremos ao Deus Sorte.
  

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

O interior da gente

O interior da gente é escuro e estranho; margeia o irracional. São estilhaços e mais estilhaços de loucura pra tudo quanto é canto. Pequenos fragmentos de um grande espelho quebrado que nos revela e, paradoxalmente, nos esconde. Espelho este que, a cada vislumbre, mais e mais nos deforma.

Nesse pequeno-infinito universo, como criancinhas amedrontadas, chora e tateia, estupidamente, nossa razão. Recolhendo e juntando cacos na vã tentativa de montar o inútil quebra-cabeça de nós mesmos. Na infrutífera batalha para encontrar e dar sentido a essa torrente de aleatoriedades que resume o nosso Eu.

É sempre uma descida difícil em nós mesmos. E sempre temos que fazê-la. E enfrentar nossos medos, monstros e tormentos. Sozinhos.

E lutar para não nos deixarmos petrificar e permanecer lá, aprisionados e abandonados nesse casarão assombrado pelos demônios da nossa consciência. Tateando a esmo um mundo insano, estranho e escuro. O interior da gente.



P. S.: Depois de Asilo Arkham - Uma séria casa em um sério mundo pretendia fazer uma resenha. No entanto, saiu este texto...

P. S. 2: A obra é dos autores Grant Morrison (roteiro) e Dave Mckean (arte) e metaforiza, por meio da prisão-manicômio Arkham, os conflitos psicológicos de Batman - numa viagem ao seu eu.




terça-feira, 7 de novembro de 2017

Navegante do acaso

Em meio ao universo-linguagem
o poeta navega.
Tal qual miríades de estrelas
as palavras
vastas
reluzem em sua mente:
aduela
estirada
açodar
coturno
- Velozes estrelas cadentes a cair.
Estranhas (im)precisas ocasionais aleatórias:
antirrábica.
Mudas mas sonoras:
calorento aldeamento...
Austero, sensível e inquieto
finda-se a labuta
(garimpo estelar):
Sobre a mesa
fica este papel
e estas tintas
sem'inúteis (?)
a/c do acaso.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Guerra Remota: 2117

D. T. ainda não completara dezesseis anos, mas sua inteligência e habilidades, aliadas a um desempenho singular para sua idade num dos melhores institutos de educação e pesquisas, o qualificaram um ano antes ao Projeto G. M. - contrariando um pouco seu criterioso regulamento. Findado o período inicial de rigorosos testes e adaptações,  ele estava apto a dar o passo derradeiro de sua promissora carreira: as avaliações em campo.

Disciplinado férrea e arduamente, não demonstrava inquietação alguma, assim como todos os membros do Projeto. Trajou mecanicamente sua vestimenta azul e branca estrelada e dirigiu-se  à sala de operações 1.0.1 - 1984, que ficava cerca de um quilômetro abaixo do gigantesco edifício em que estava, fortificada em aço, concreto e variados sistemas de segurança físicos e digitais. 

Sua impassividade era assustadora. Salvo o brilho úmido e indisfarçável de seus olhos azuis, podia-se dizer que não era humano, mas sim um dos recentes modelos de robôs lançado pela gigante tecnológica Natura Máquina - Vidas inorgânicas. A pele clara, com cabelos lisos e de coloração semi-alaranjada a enfeitar-lhe o alto da cabeça, mais seus traços finos e delicados, aristocráticos, faziam-no lembrar uma importante figura política e histórica do século passado - o principal idealizador e articulador do Projeto G. M, para o qual, agora, trabalhava.

Uma combinação de leituras de suas digitais e de seus globos oculares permitiu seu acesso ao espaço para onde fora designado recentemente. Designação esta acompanhada de êxito e, em virtude de seu precoce ingresso, uma primeira condecoração.

***

A sala era bastante vasta. Uma sucessão de painéis de controle, luzes e monitores preenchiam suas quatro paredes. Uma infinidade de botões e mecanismos altamente sensíveis e tecnológicos, com ares de importância e periculosidade extremas, eram manipulados precisamente por seis indivíduos de aspectos juvenis e sadios, de olhares inteligentes e atentos por trás de grossos óculos.

Impressionava a grande redoma de vidro localizada milimetricamente no centro daquele ambiente. Tinha cerca de cinco metros de extensão e uma altura que se aproximava dos três e meio. Era transparente e com um aspecto de grande poder de resistência. Em seu interior, podia-se ver uma solitária e confortável poltrona giratória. Tubos entravam e saíam de alguns orifícios rente ao chão e conectavam-se, objetivamente, à aparelhagem geral do restante da sala.

Frio e impassível, D. T. repetiu as ações já feitas inúmeras vezes em incontáveis simulações. Caminhou com passos firmes e decididos, em linha reta, até a construção vítrea, tocando-a com seus cinco dedos. Uma luz vermelha rapidamente deu lugar a uma luz verde para, em seguida, uma portinhola deslizar para cima - garantindo-lhe passagem até o assento solitário daquela fortificação de vidro.

Ao sentar-se, algo penetrou rapidamente e com um pouco de incômodo sua nuca. Uma leitura de retina foi realizada por uma fraca luz azul, acompanhada de um suave zunido. Um instante depois, um capacete descia e se acoplava em sua cabeça, óculos especiais encaixavam-se em seus olhos, agulhas perfuravam as veias de ambos os braços e um painel de controle surgia-lhe na frente, flutuando à altura do abdome. Tudo isso nos poucos segundos necessários para que a pequena porta da redoma se abaixasse, fechando-se silenciosa e hermeticamente - apartando-o da realidade exterior.

Os seis técnicos trocaram olhares e gestos que denotavam satisfação. A fase de acomodação e simbiose indivíduo-console estava completa.

***

D. T. tinha agora os olhos injetados, fixos em pontos definidos da gigantesca tela de trezentos e sessenta graus que a estranha redoma de vidro havia se transformado, e a qual, rodeava-lhe completamente. Suas pupilas dilatadas e inquietas revelavam tensão e atenção extremadas, e o contínuo injetar de drogas estimulantes em sua corrente sanguínea intensificava ainda mais suas capacidades cognitivas e sensoriais. Seus dedos frenéticos moviam-se com espantosa rapidez - rivalizando com o deslocar de seus olhos. Os controles sob suas mãos eram operados rápida e eficientemente, enquanto sua poltrona girava com desvairada velocidade e precisão. Hora ou outra, seus olhos reviravam e sua respiração e batimentos cardíacos, monitorados com doentio esmero pelos sujeitos fora da construção vitralizada, tornavam-se mais intensos.

O grande abrigo de vidro exibia, em toda a sua extensão curvilínea, imagens de guerra e terror. Explosões e mais explosões tomavam consideráveis partes da tela. Em outras, soldados destroçados, rajadas de armas cada vez mais letais, fogo e confusão preenchiam tal pandemônio. Essas cenas alternavam-se, tal qual antigos jogos de videogames, com visões panorâmicas, aéreas, da totalidade do terreno. Nestas, viam-se umas dezenas de máquinas humanoides, forjadas em aço, devastando e massacrando uma cidade periférica qualquer. Edifícios em chamas, carros destruídos e capotados, pessoas mortas ou correndo insanamente. Se Deus olhava e cuidava sobre a face do globo, nessa hora sua face estava distraída e virada para algum outro canto do universo. Aquele pedaço miserável da Terra, nesse momento, era perscrutado, cuidadosamente, e de um assento remoto e solitário, pelo jovem D. T.

Alteravam-se novamente a visão e as imagens da tela. Mais uma vez via-se tudo de perto, frontalmente: esguichos vermelhos, misturados à poeira, respingavam na câmera dianteira do módulo de batalha. Tudo com os movimentos rápidos e precisos dos dedos de D. T. Inimigos eram atravessados violenta e bruscamente por potentes e letais raios luminosos; em desespero, escondiam-se onde era possível: dispositivos de busca os localizavam e, simultaneamente, os destruíam; granadas solares os secavam até seus ossos retorcerem-se, expostos e calcinados, após céleres toques e deslizar de mãos.

***

Pouco mais de uma hora se passara. O suficiente para que os clarões de bombas fossem diminuindo, dando lugar à devastação caótica e irracional, escombros, cadáveres e uma quantidade estonteante de fumaça subindo e encobrindo um habitual cinzento céu lá no alto.

Estimulantes pararam de escorrer para as veias de D. T., enquanto seus movimentos iam ficando mais lentos e seus olhos começavam a  assumir seu aspecto frio e corriqueiro. O drone de batalha projetava, desta vez e do alto, a imagem de uma dezena de módulos de batalha vasculhando o perímetro e eliminando, aqui e ali, os poucos sobreviventes caídos pelo caminho. A cidade fora tomada. A missão de anexação e expansão territorial tivera êxito.

Os tubos que conectavam D. T. à poltrona giratória foram retirados, óculos e capacete foram devidamente suspensos, e um último toque de dedos desconectou seu cérebro da fortificação de vidro e fez desaparecer todas as luzes e cenas e monitores ao seu redor. Ele levantou-se um pouco ofegante e tomado por uma leve tontura, com algumas gotas de suor a escorrer-lhe das faces. Dirigiu-se à saída transparente, deixando atrás de si uma caixa craniana vazia e mortal.

Um dos sujeitos da sala apertou-lhe as mãos, amparando-o e guiando-o até seu alojamento, para que ele descansasse. O caminho estava apinhado de jovens iguais a D. T., saídos, igualmente, de outras tantas esferas vítreas, todos em direção a um obrigatório descanso.

***

Horas depois, já descansado e em seu alojamento, D. T. recebeu, via dados digitais e em seu córtex cerebral, o relatório da missão. Rapidamente absorveu as informações e, mais uma vez, surgiu algo que o diferenciava de uma máquina qualquer. Um quase imperceptível sorriso de satisfação, orgulho e patriotismo brotou espontaneamente no canto de seus lábios ao ler as últimas linhas da síntese do documento:

Anexação e expansão de território concluídas com sucesso.

Margem de êxito da missão: 100%;
Baixas entre o inimigo: 100%;
Baixas do Império Ocidental: 0%;
Tempo efetivo de realização da missão: 1h e 13 min.;
Tempo a ser superado: 1h e 05 min.;
Pontuação do soldado D. T. : 0.98 (escala de 0 a 100).
Fim do relatório.


segunda-feira, 31 de julho de 2017

Por dentro

Somos labirintos.
Que se fecha e faz perder
quem entra pra ver.
                  (Haicai XXIV)

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Carta espacial pós Rauzito

Ei, moço do disco voador,
que anda meio esquecido
mas que foi cantado com fervor
em tempos idos

Resolvi te escrever isso
só pra você saber
que ainda estamos aqui. E além disso,
esperamos uma visita acontecer

À maneira de antigamente:
com bastante luz...
pouca gente...
um ovoide que reluz...

Divertindo-se com seu belo disco
nos céus deste planeta...
preenchendo-os de riscos
de reluzente cometa...

E se possível
nos garanta aquela viagem
tão sonhada... até mesmo implausível
aos que não têm coragem

Aquela viagem pra qualquer lugar
(pro)fundo do espaço sideral
pra longe de tudo. E pra terminar:
Um abraço terrano mas Universal.

P.S.:
Te peço que venha urgentemente
em dobra espacial, na velocidade da luz
pois por aqui, basicamente,
o Caos é quem conduz

Tudo desaba, vai mal
e o homem não quer mais nem pensar...
tá rastejando num buraco irracional
e contentando-se em lá ficar.

domingo, 2 de julho de 2017

A bela e estranha Dylan Dog - Retorno ao crepúsculo


Dylan Dog

Uma região fronteiriça dos mundos dos vivos e dos mortos. Um homem que conhece tal lugar e deve, mais uma vez, ir até lá, agora ajudando uma jovem desconhecida e com um problema a ser resolvido. Tempo e espaço misturados e confusos, teorias para deter a morte, devaneios, realidades e reflexões sobre a profusão existencial do universo.

Algumas histórias são tão ricas quantos às possibilidades imaginativas e interpretativas que, findadas, nos deixam um mosaico de sentido, um quebra-cabeça semântico que vamos, inquietos, tentando montá-lo; porém, depois de concluída tal montagem, não conseguimos - talvez por estarmos próximos demais do objeto - observá-lo como um todo.

Dylan Dog - Retorno ao crepúsculo é uma dessas histórias. Escrita pelos artistas Tiziano Sclavi (texto), Giuseppe Montanari e Ernesto Grassani (desenhos), é uma trama absurda, calcada nas dualidades que perpassam o ser humano: vida e morte, sonho e realidade, desconhecido e cognoscível, mente e corpo, lá e cá... e mais uma porção de opostos que existem, parece, para nos comple(men)tar (e atormentar! também).

Até então nunca havia lido nada da personagem. Confesso, entretanto, que a vontade sempre se fez presente - mas os caminhos, muitas vezes, nos lançam em outras direções... Depois de feito, com a presente publicação da Editora Lorentz, vejo-me surpreendido e embaraçado com a força criativa da HQ - tão bem desenhada e, muito mais ainda, escrita. Em suma, é uma peça fantástica - com tudo de positivo e interpretativo que tal palavra contém em si.

Já nas primeiras páginas fui obrigado a reler, pois percebi que não seria apenas uma simples narrativa de terror. Não. É complexa e metafórica - e tais atribuições vão se intensificando com o desenrolar do enredo, chegando ao ápice de nos mostrar o contista Allan Poe num universo onírico e filosófico, subindo e descendo escadas extraordinárias até deparar-se com um "inferno" bastante familiar ao leitor: o século XX (e o XXI também, claro!).

A personagem principal, o detetive Dylan Dog, é ofuscada pela presença de outra: a dualidade existencial. Assim, a vida e a morte, o real e o surreal são os verdadeiros protagonistas da narrativa, nos sufocando, pressionando e impelindo para alguma de suas extremidades. Nos forçando a observar, aprender e caminhar para fora de nossos mundinhos confortáveis - metaforizados pelo equilíbrio dos polos que, na trama, aparece como a região conhecida por Zona do crepúsculo. Logo, talvez, nem dia nem noite, nem vida nem morte, nem realidade nem fantasias... Mas sim a compreensão e apreensão do todo, pois é um todo que nos define e, portanto, nos orienta o existir. 

Essa Zona crepuscular parece simbolizar o Desconhecido, simples e ao mesmo tempo complexo; e este, metaforiza-se inteligentemente na figura da significativa personagem Opal - encapuzada, escondida, sensível, perseverante... às vezes repugnante e, em outras, atraente e irresistível. É sempre o Desconhecido que nos impele a algum lugar, a algum dos extremos do existir... ou à apatia da vida. É ele que nos move em direção a sentidos e significados. Na narrativa é, pois, ele (ou ela, Opal) que atrai Dylan e o lança na aventura insólita da edição.

É claro que a contextualização existente acerca do conto O caso do sr. Valdemar, de E. Allan Poe, base da narrativa, vem a calhar. Mas, mais interessante é suspender a leitura da HQ lá pela metade e mergulhar na referida e aterradora, sinistra, mórbida peça literária, publicada em meados de 1845. O clima da leitura muda completa e complementarmente pra melhor - garantindo um tom ainda mais sombrio à história. Sombrio e assustador!

Garantindo maior inteligência à aventura, o que não poderia faltar, há as críticas ao homem e ao modo como este encara a vida - críticas ora mais, ora menos, contundentes, porém sempre presentes. Uma delas é a indagação, feita por Dylan, se não estamos todos confinados à Zona do crepúsculo, repetindo gestos, palavras, pensamentos, perguntas e respostas dia a dia, incansável e imperceptivelmente...


Outra, mais crua e direta, é o "inferno" (segundo Poe) que habitamos. Essa torrente infindável e colossal de coisas e pessoas e concreto que atordoa, oprime e sufoca nossas sociedades modernas e civilizadas...



Há, ainda, o questionamento sobre o que é, de fato, o real, e como despertamos para a realidade: dormindo ou acordando?

O uso dos recursos da linguagem dos quadrinhos também é bem feito, enriquecendo ainda mais a HQ, como podemos perceber a partir das sequências dos quadros e imagens contidas abaixo...





Referenciando e homenageando Edgar Allan Poe, Dylan Dog - Retorno ao crepúsculo é absurda e fantástica. Inteligente, estranha, assustadora, inquietante e, acima de tudo, INTERESSANTE; espatifa nosso pensamento e nos deixa atordoados na busca por sentido. É, pois, uma excelente experiência de leitura, e torna tudo o que foi dito neste texto apenas uma pequena mostra das várias e variáveis impressões que a narrativa nos proporciona. 

terça-feira, 6 de junho de 2017

A graça literária em O caso de Charles Dexter Ward, de Lovecraft

Uma parte interessante a respeito da literatura, que é, grosso modo, a palavra empregada artisticamente, reside no acabamento formal de determinada obra. Sendo, pois, a arte literária a materialização de suprarrealidades, de mundos fictícios - reflexos verossímeis, portanto, da nossa realidade -, a expressão de um conteúdo por meio de palavras, contida na dualidade forma X conteúdo, é indissociável para a expressividade artística de qualquer peça dessa natureza.

Edificar universos. Eis o fundamento da arte da palavra. Seja romântico, fantástico, de horror, aventuresco e investigativo, de crítica social etc., estes universos são forjados pelo léxico, ou seja, tomam formas a partir da inter-relação, seletividade e disposição deliberada deste. Tal qual arquiteto, portanto, labuta o escritor.

Sendo assim, se a literatura é essa dança entre forma e conteúdo, significante e significado, pode-se estabelecer, prontamente, que parte da graça desta arte existe apenas quando o primeiro elemento da dicotomia citada é TRABALHADO - com esmero, apuro e dedicação deliberada. Caso contrário, é somente mais uma história entre tantas outras existentes. Em O caso de Charles Dexter Ward, do norte-americano H. P. Lovecraft, tem-se um perfeito exemplo do que foi até aqui exposto.

Na obra, conta-se a história de um sujeito, Charles, que, interessado em arqueologia e antiguidades, descobre a existência de um parente antigo, praticante de magia negra e pesquisador do ocultismo. A partir dessa constatação o protagonista se lança num passado sombrio e de horrores cósmicos - elementos da mitologia criativa e do estilo do autor.

Na sinistra trama, extremamente rica quanto à linguagem utilizada, e de um alto nível de detalhamento, depois de descobrir a existência de um tio, cuja bruxaria nefasta se resume ao oculto e sobrenatural, Dexter Ward se embrenha em pesquisas acerca de rituais mágicos até, inconscientemente, trazer em si mesmo a reencarnação macabra do sinistro parente - o feiticeiro Joseph Curwen.

Além de ser uma ótima história de horror e investigação, destaca-se no livro o requinte linguístico em alto grau de formalidade, obviamente empregado para a obtenção de efeitos de sentidos relativos ao passado histórico que sustenta a trama, e o detalhamento quando da construção da narrativa, com um bom e paulatino progresso dos acontecimentos - até o seu terrível auge. Tais elementos engrandecem e edificam a leitura da obra.

Com referências a entidades cósmicas e abissais, práticas ritualísticas, investigações ocultas em livros velhos etc., O caso de Charles Dexter Ward consegue ser interessante, envolvente e assustador, deixando de lado sustos bobos e aparições sobrenaturais tolas e desnecessárias bastante presentes nas histórias de terror. Assim, por meio da materialização tensa, profunda e rica desse enredo simples, tem-se a riqueza expressiva da qual se extrai parte fundamental da referida graça literária.

É, portanto, todo esse trabalho formal, esmerado,  por parte do escritor, que torna os mundos ficcionais mais sensíveis, verossímeis e palpáveis ao leitor. Sem a construção e exploração dos sentidos que a forma garante para o conteúdo, qualquer enredo - por mais interessante que venha a ser - torna-se menos instigante e, consequentemente, a obra artística resultará insípida e superficial.







quinta-feira, 11 de maio de 2017

Noite (simbolista)

Permaneci acordado
Enquanto a noite caía.
Tal qual caixão, soterrado
Em profunda terra fria.

Escuridão e eu só
Inerte, vagando a eternidade...
Tornando-me pó
Entre o Nada e sua imensidade.

E ainda assim, no escuro,
Entre vermes e lodo,
Havia poesia.
Que de furo em furo
Invadia e consumia eu todo
Na noite que caía.

E dos buracos de mim mesmo
Nascia flores e vida, a esmo.

E eu girava pela eternidade
Entre o Tudo e o Nada e sua intensidade.

Eu raiz de tudo, agora espalhado
Na noite que caía
Integrava-me ao mundo, feliz e calado...
E entre os sussurros da poesia
Tudo morria e renascia, mais forte
Dentro da noite fria.

                                        (novembro/2016)

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Sabedoria (atemporal)

Reitero que sei
Somente que nada sei
Séculos depois...
                         (Haicai IX)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Solidão

É noite. Espero meu raio de sol penetrar pela porta cerrada que me protege do mundo. Protege, mas também me aprisiona comigo mesmo. E uma porção de pensamentos que rodopiam furiosos dentro de mim.

É trevas. E não há flores. Apenas ruídos de um rádio qualquer, que toca uma música qualquer, e em ritmo igualmente qualquer. De qualquer forma não presto muita atenção mesmo...

Penso besteiras e um nevoeiro embaça meu pensar. É espesso, vai cobrindo tudo. Perdido nessa bruma que é a solidão, espero. Espero meu sol voltar e dissipá-la, salvando-me de mim mesmo. Porque sei que não importa a densidade e a frieza de qual seja o nevoeiro, o raio solar sempre irá destruí-lo e aquecer novamente o mundo.

E as flores crescerão de sorrisos e olhos brilhantes, e a noite aqui dentro de mim será dia de novo.

                        (setembro de 2013)

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Depois de Maus e A metamorfose...

O mundo assemelha-se a um robô das produções oriundas da ficção científica. Um autômato distópico construído há milhares de anos que, com o passar destes, desenvolveu-se mais e mais, aprimorando-se dia a dia até atingir uma inteligência única, superior, artificial e, muitas vezes, maligna. E agora nós, pobres seres humanos, somos peças dessa gigantesca máquina com vida e vontade próprias.

E ele vai, naturalmente, nos envolvendo, nos assimilando em sua estrutura sinistra. Vai estraçalhando nossos eus com suas vorazes e doentias engrenagens... Nos compelindo a encaixarmo-nos em suas juntas férreas, enfumaçadas e sujas de óleo, à medida que avança desenfreadamente sobre a gente, como um rolo compressor  incansável e indestrutível.

Tudo num absurdo só. Artificialidades transformadas em coisas naturais, impossíveis de serem alteradas por esses simples chips que somos nós. E comprimidos, espremidos nessa imensa máquina autocontrolada, oprimidos por tudo quanto é lado, somos condenados a viver, sob seja lá quais desígnios a nós reservados por esse estranho mundo. Aprendendo e assimilando fatos insólitos, absurdos diários, como naturalidades.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

ano-novo

Enfim: ano-novo.
E outra vez a vida segue,
desbravando o novo.

             (Haicai XVI, 02-01-2017)