quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Jardins do mundo

Considero-me bela e sou, inegavelmente, vasta. Assim como o são outras tantas como eu, espalhadas mundo afora. Isso apesar de pouco notada e relegada a um canto qualquer. Sou pobre, mas não miserável. E um tanto quanto melancólica (não triste ou depressiva!). Mas isso, quem não o é?... Entretanto, sou perpassada por ímpetos furiosos de alegria e contentamento, principalmente quando o riso simples da vida passeia por mim.

Ainda que tomada de pobreza e abandono, abrigo em mim, em meu seio farto, um montão de gente. E as pessoas parecem gostar, sinceramente, de mim. Preenchem meus limites e me atravessam com uma porção de desejos e anseios. Plantam seus sonhos e esperanças em mim e eu, paciente e profundamente tocada, os vejo crescerem. E mesmo que muitos venham a perecer, eles, ainda assim, melhoram o meu solo e me preparam para ir recebendo sempre mais um pouco. Pois quem mora comigo nunca deixa de sonhar mundos melhores... porque sabe que somos fortes e, a bem da verdade, movemos e edificamos possíveis futuros...

Sou, sim, um grande abrigo de todo mundo. E gosto mesmo é da alegria causada pelos esperançosos que me habitam. Que caminham pelas vastidões do meu corpo sempre em repouso, observando horizontes, queimando ao sol, ou sob o manto escuro de estrelas. 

Gosto das cócegas que fazem em minha pele, incessantemente. Gosto dos sonhos construídos, diariamente, sobre mim. Das brincadeiras, das lágrimas, das alegrias. Do barulho constante, dos gritos e dos risos, do vai e vem quase caótico dessa torrente infindável de gente dentro de mim. Todos exalando vida e movimento intermináveis. Todos fazendo com que eu, e as outras tantas iguais a mim, viva - como realmente devem viver todas as cidades das periferias do mundo.

E nos cantos e fundos de quintais do planeta, em favelas e comunidades, em morros marginais estamos nós. Belas, vastas. Grandes e diferentes jardins. Escondidos e abandonados jardins de beleza, vida e diversidade. Tomados por flores que, desvairada e aleatoriamente, vão se emaranhando, se misturando e se confundindo com a própria existência.