quarta-feira, 24 de abril de 2019

Sobre Olimpo tropical, de André Diniz e Laudo Ferreira


Crítico, ácido, pungente e lírico. Eis os adjetivos adequados para se iniciar uma apreciação de Olimpo tropical, obra em quadrinhos dos brasileiros André Diniz e Laudo Ferreira - roteiro e arte, respectivamente -, publicada em 2017 por meio do selo Jupati books, da Marsupial Editora.

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Nela, Biúca, o protagonista, sintetiza a condição de milhares de brasileiros: pobre, negro, favelado, com pouco estudo e marginalizado. E que, sem outra perspectiva, vê no crime o único meio concreto de ascender socialmente - já que é lá que habita seus verdadeiros heróis: os traficantes do morro, esse Olimpo tupiniquim.

A narrativa, fundamentada em referências mitológicas, é concebida em duas partes. A primeira, Entre os homens, nos mostra a personagem principal ansiando por aceitação entre as pessoas da favela; enquanto que a segunda, Entre os deuses, enfatiza sua luta por uma posição de destaque entre os donos do morro: os bandidos. Ambas as partes entrelaçam-se, contundentemente, por temas corriqueiros nas periferias do país: o tráfico e a criminalidade, a perda da infância, a falta de cultura e lazer e, obviamente, a violência e a corrupção policial.

É o cotidiano abordado e retratado como arte. Uma estética engajada e contestadora quanto à realidade que, justamente por seu caráter ordinário e habitual, muitas vezes nos passa despercebida - já que nos acostumamos, dia a dia, com a sua presença. É, pois, uma tentativa de nos fazer sentir, mais uma vez, sob a pele já calejada, um pouco da dor dos milhões de Biúcas que resistem por aí.

Fazendo alusão às tragédias mitológicas, Olimpo tropical não poderia ter um desfecho feliz. Assim como uma sociedade imersa em desigualdade social jamais poderá ter um futuro feliz. Se, ao final da leitura, conseguirmos relacionar tais questões, a obra cumpriu algumas de suas funções: arrancar a venda que, muitas vezes, encobre nosso olhar e nos fazer perceber que essa é uma história de todos nós.

No mais, é um baita quadrinho. O roteiro consegue ser rico e simples ao mesmo tempo, enquanto a arte, com belíssimas cenas, consegue suavizar, de forma lírica e sensível, a crueza e o caráter visceral do amontoado de casas, barracos, veículos e pessoas que figurativizam as favelas do Rio (e de qualquer outro lugar).

Talvez a "falha" da HQ esteja na descaracterização da fala da personagem como um autêntico adolescente do morro, com pouco estudo. Mas tal "falha" pode ser um efeito de sentido pretendido pelo texto, numa clara tentativa de fugir aos estereótipos, mostrando que um favelado, mesmo jovem e que tenha abandonado a escola, envolto em criminalidade e violência, pode deixar transparecer em seus diálogos reflexões e criticidade profundas.

Para além do exposto, a leitura de Olimpo tropical representa uma forma de valorizarmos os quadrinhos produzidos em território nacional e, também, uma ótima porta de entrada ao universo artístico dos autores André Diniz e Laudo Ferreira.