segunda-feira, 31 de julho de 2017

Por dentro

Somos labirintos.
Que se fecha e faz perder
quem entra pra ver.
                  (Haicai XXIV)

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Carta espacial pós Rauzito

Ei, moço do disco voador,
que anda meio esquecido
mas que foi cantado com fervor
em tempos idos

Resolvi te escrever isso
só pra você saber
que ainda estamos aqui. E além disso,
esperamos uma visita acontecer

À maneira de antigamente:
com bastante luz...
pouca gente...
um ovoide que reluz...

Divertindo-se com seu belo disco
nos céus deste planeta...
preenchendo-os de riscos
de reluzente cometa...

E se possível
nos garanta aquela viagem
tão sonhada... até mesmo implausível
aos que não têm coragem

Aquela viagem pra qualquer lugar
(pro)fundo do espaço sideral
pra longe de tudo. E pra terminar:
Um abraço terrano mas Universal.

P.S.:
Te peço que venha urgentemente
em dobra espacial, na velocidade da luz
pois por aqui, basicamente,
o Caos é quem conduz

Tudo desaba, vai mal
e o homem não quer mais nem pensar...
tá rastejando num buraco irracional
e contentando-se em lá ficar.

domingo, 2 de julho de 2017

A bela e estranha Dylan Dog - Retorno ao crepúsculo


Dylan Dog

Uma região fronteiriça dos mundos dos vivos e dos mortos. Um homem que conhece tal lugar e deve, mais uma vez, ir até lá, agora ajudando uma jovem desconhecida e com um problema a ser resolvido. Tempo e espaço misturados e confusos, teorias para deter a morte, devaneios, realidades e reflexões sobre a profusão existencial do universo.

Algumas histórias são tão ricas quantos às possibilidades imaginativas e interpretativas que, findadas, nos deixam um mosaico de sentido, um quebra-cabeça semântico que vamos, inquietos, tentando montá-lo; porém, depois de concluída tal montagem, não conseguimos - talvez por estarmos próximos demais do objeto - observá-lo como um todo.

Dylan Dog - Retorno ao crepúsculo é uma dessas histórias. Escrita pelos artistas Tiziano Sclavi (texto), Giuseppe Montanari e Ernesto Grassani (desenhos), é uma trama absurda, calcada nas dualidades que perpassam o ser humano: vida e morte, sonho e realidade, desconhecido e cognoscível, mente e corpo, lá e cá... e mais uma porção de opostos que existem, parece, para nos comple(men)tar (e atormentar! também).

Até então nunca havia lido nada da personagem. Confesso, entretanto, que a vontade sempre se fez presente - mas os caminhos, muitas vezes, nos lançam em outras direções... Depois de feito, com a presente publicação da Editora Lorentz, vejo-me surpreendido e embaraçado com a força criativa da HQ - tão bem desenhada e, muito mais ainda, escrita. Em suma, é uma peça fantástica - com tudo de positivo e interpretativo que tal palavra contém em si.

Já nas primeiras páginas fui obrigado a reler, pois percebi que não seria apenas uma simples narrativa de terror. Não. É complexa e metafórica - e tais atribuições vão se intensificando com o desenrolar do enredo, chegando ao ápice de nos mostrar o contista Allan Poe num universo onírico e filosófico, subindo e descendo escadas extraordinárias até deparar-se com um "inferno" bastante familiar ao leitor: o século XX (e o XXI também, claro!).

A personagem principal, o detetive Dylan Dog, é ofuscada pela presença de outra: a dualidade existencial. Assim, a vida e a morte, o real e o surreal são os verdadeiros protagonistas da narrativa, nos sufocando, pressionando e impelindo para alguma de suas extremidades. Nos forçando a observar, aprender e caminhar para fora de nossos mundinhos confortáveis - metaforizados pelo equilíbrio dos polos que, na trama, aparece como a região conhecida por Zona do crepúsculo. Logo, talvez, nem dia nem noite, nem vida nem morte, nem realidade nem fantasias... Mas sim a compreensão e apreensão do todo, pois é um todo que nos define e, portanto, nos orienta o existir. 

Essa Zona crepuscular parece simbolizar o Desconhecido, simples e ao mesmo tempo complexo; e este, metaforiza-se inteligentemente na figura da significativa personagem Opal - encapuzada, escondida, sensível, perseverante... às vezes repugnante e, em outras, atraente e irresistível. É sempre o Desconhecido que nos impele a algum lugar, a algum dos extremos do existir... ou à apatia da vida. É ele que nos move em direção a sentidos e significados. Na narrativa é, pois, ele (ou ela, Opal) que atrai Dylan e o lança na aventura insólita da edição.

É claro que a contextualização existente acerca do conto O caso do sr. Valdemar, de E. Allan Poe, base da narrativa, vem a calhar. Mas, mais interessante é suspender a leitura da HQ lá pela metade e mergulhar na referida e aterradora, sinistra, mórbida peça literária, publicada em meados de 1845. O clima da leitura muda completa e complementarmente pra melhor - garantindo um tom ainda mais sombrio à história. Sombrio e assustador!

Garantindo maior inteligência à aventura, o que não poderia faltar, há as críticas ao homem e ao modo como este encara a vida - críticas ora mais, ora menos, contundentes, porém sempre presentes. Uma delas é a indagação, feita por Dylan, se não estamos todos confinados à Zona do crepúsculo, repetindo gestos, palavras, pensamentos, perguntas e respostas dia a dia, incansável e imperceptivelmente...


Outra, mais crua e direta, é o "inferno" (segundo Poe) que habitamos. Essa torrente infindável e colossal de coisas e pessoas e concreto que atordoa, oprime e sufoca nossas sociedades modernas e civilizadas...



Há, ainda, o questionamento sobre o que é, de fato, o real, e como despertamos para a realidade: dormindo ou acordando?

O uso dos recursos da linguagem dos quadrinhos também é bem feito, enriquecendo ainda mais a HQ, como podemos perceber a partir das sequências dos quadros e imagens contidas abaixo...





Referenciando e homenageando Edgar Allan Poe, Dylan Dog - Retorno ao crepúsculo é absurda e fantástica. Inteligente, estranha, assustadora, inquietante e, acima de tudo, INTERESSANTE; espatifa nosso pensamento e nos deixa atordoados na busca por sentido. É, pois, uma excelente experiência de leitura, e torna tudo o que foi dito neste texto apenas uma pequena mostra das várias e variáveis impressões que a narrativa nos proporciona.