quarta-feira, 22 de maio de 2019

Da necessidade de se tratar como Arte a 9ª Arte!

A duras penas, numa batalha que atravessou o século XX, os quadrinhos se consolidaram, entre os críticos e a sociedade em geral, como a 9ª Arte. Depois de décadas enfrentando preconceitos de toda ordem, sendo marginalizados e apartados do mainstream artístico-cultural, enfim as histórias em quadrinhos tomaram definitivamente os museus, as grandes exposições, programas de rádio e TV, as feiras culturais e literárias, as premiações e os eventos relacionados ao mercado editorial do país.

No entanto, muitas editoras parecem não reconhecer que, enquanto Arte, as HQs devem, obrigatoriamente, receber um tratamento de Arte - o que significa, no mínimo, uma produção editorial com acabamento de qualidade, isto é: atenciosas tradução e adaptação, passando por uma cuidadosa impressão e, principalmente, por uma REVISÃO competente, esmerada e profissional do produto a ser lançado.

Tal como a literatura, a música, o cinema, o teatro etc. as narrativas gráficas, ou simplesmente os gibis, além de merecedoras, exigem um tratamento à altura da conquista de seu status de Arte. Dizemos isso porque, mês a mês, uma enxurrada de publicações tomam as bancas de jornais, livrarias e lojas do Brasil - são revistas, encadernados, graphic novels lançadas num ritmo intenso, frenético, industrial. Um ritmo que, apesar dos esforços de grande parte dos profissionais e dos editores, não se reflete, na maioria das vezes, na qualidade editorial do produto final que chega às mãos dos leitores.

Isso, além de inadmissível, atenta contra uma estética que, até o presente momento, ocupa um espaço gigantesco no MIS (Museu da Imagem e do Som) com a megaexposição Quadrinhos - um dos maiores feitos em relação às narrativas sequenciais em terras brasileiras -, além de ganhar espaço em um dos mais importantes programas sobre arte da TV Cultura, o Metrópolis, com indicações de quadrinhos para serem conhecidos pelo público.

Assim, após a desagradável e vexaminosa polêmica envolvendo a editora Panini e a republicação da obra Sandman, do escritor Neil Gaiman (em pleno ano 2019 e em comemoração aos trinta anos dessa criação singular no universo quadrinhístico), lemos, aleatoriamente, 20 títulos - os mais variados possíveis em suas temáticas: bang-bang, super-heróis, infantil, fantasia, ficção científica, terror e horror - das principais editoras de HQs do país: Panini, Culturama, Mythos, JBC e Pipoca e Nanquim,  englobando revistas mensais simples (encontradas em bancas de jornais), encadernados (edições com um acabamento mais rico) e edições consideradas de luxo (com capa dura e voltadas às livrarias).

Desse universo de 20 publicações lidas, todas recentes, chegamos a um resultado preocupante: 16 títulos (80% do total!) apresentam problemas quanto à revisão! Problemas esses GROSSEIROS, que seriam evitados por uma última leitura atenta do texto final. Além disso, dentre as editoras que publicaram tais quadrinhos, com exceção da JBC, todas entregaram um produto final com a qualidade editorial comprometida - o que é inadmissível, tendo em vista o alto preço praticado pelo mercado atual do segmento.

As cinco editoras responsáveis pelas publicações são: Panini (com seis HQs lidas), Mythos (com dez edições na lista), Culturama (com dois quadrinhos lidos), JBC (com um produto) e Pipoca e Nanquim (também com um produto). Quanto aos títulos, com a respectiva data de lançamento, editora e ordem de leitura, seguem na lista abaixo:

1- Pateta n° 0 (2019, Culturama - SEM PROBLEMAS);

2- Dylan Dog - Nova Série n° 4 (2019, Mythos);

3- O Velho Logan n° 32 (2019, Panini - SEM PROBLEMAS);

4- O Velho Logan n° 33 (2019, Panini);

5- Tex Willer n° 1 (2019, Mythos);

6- Tex Willer n° 2 (2019, Mythos);

7- Dylan Dog - Nova Série n° 1 (2018, Mythos - SEM PROBLEMAS);

8- Dylan Dog - Nova Série n° 2 (2019, Mythos);

9- Noites de Trevas: Metal n°1 (2018, Panini);

10- Dragonero n° 1 (2019, Mythos);

11- Dylan Dog - Nova Série n° 3 (2019, Mythos);

12- Batman: Cavaleiro Branco n° 7 (2019, Panini);

13- Tex Platinum n° 16 (2018, Mythos);

14- Eight - Forasteiro (2015, Panini com a Stout Club);

15- Heavy Metal - Black & White n° 1 (2019, Mythos);

16- Tex - Graphic Novel n° 1 (2016, Mythos);

17- Nijigahara Holograph - As ilusões de Inio Asano (2016, JBC - SEM PROBLEMAS);

18- Pateta n° 1 (2019, Culturama);

19- Marada - A Mulher-Lobo (2018, Pipoca e Nanquim); e

20- O retorno de Wolverine n° 1 (2019, Panini).

De acordo com a lista acima, temos: 2 quadrinhos da editora Culturama; 10 títulos da editora Mythos; 6 publicações da editora Panini; 1 da editora Pipoca e Nanquim; e 1 da editora de mangás JBC. A partir disso, podemos ainda classificar tais publicações, de acordo com o seu acabamento, em:

Revistas simples:  Pateta; O Velho Logan; Batman: Cavaleiro Branco. (5 títulos, com preços variando de 6 a 11 reais);

Encadernados ou edições com um melhor acabamento: Dylan Dog - Nova Série; Tex Willer; Noites de Trevas: Metal; Dragonero; Tex Platinum; Eight - Forasteiro; Heavy Metal - Black & White; Tex - Graphic Novel; Nijigahara Holograph; e O retorno de Wolverine. (14 títulos, com preços variando de 14 a 34 reais);

Edição de luxo: Marada - A Mulher-Lobo. (1 título, com valor acima de 50 reais).

Como já afirmado, todos os títulos apresentados neste texto são atuais, ou seja, são frutos de um mercado consolidado que, apesar das dificuldades sempre presentes, é experiente e está em constante expansão. Todos, igualmente, mostram um bom acabamento gráfico, mas esbarram na qualidade da revisão final do texto - talvez pela falta de mais profissionais na equipe editorial das redações ou, até mesmo, pelo ritmo cada vez mais intenso de publicações. Assim, custa-nos apontar, mas, com exceção de Pateta nº 0, Dylan Dog - Nova Série nº 1, o mangá Nijigahara Holograph - As ilusões de Inio Asano e O Velho Logan n° 32 (ou seja, APENAS 20% do material lido), TODAS as outras HQs da lista têm problemas de revisão.

Abaixo, fotos dos quadrinhos, com destaque aos problemas encontrados na edição:

Dylan Dog - Nova Série nº 2: "Alguns atuações..."
Tex Willer nº 2: Falha na editoração do balão

Dylan Dog - Nova Série nº 2: Não há crase em "À sargento..."

O Velho Logan nº 33: Faltou vírgula entre "Ô amigão..."

Tex Willer nº 1: Sobrou borrões e faltou hífen em "Bom senso" 



Dylan Dog - Nova Série nº 2: Falha em "À irmãe na qual..."

Dylan Dog - Nova Série nº 2: Falha em "E quem fim levaram?"

Dylan Dog - Nova Série nº 2: Falha na concordância em "O direito... Escritos"

Noites de Trevas: Metal nº 1: Faltou separar "Agente"

Dragonero nº 1: Borrões e mais borrões...

Dragonero nº 1: Borrões e mais borrões...

Dragonero nº 1: Borrões e mais borrões...

Dylan Dog - Nova Série nº 3: Excesso de pontuação em "Universo.!"

Dylan Dog - Nova Série nº 3: Falha em "FIQUEI aí, eu abro!"

Batman: Cavaleiro Branco n° 7: Faltou separar o "porque"

Tex Platinum n° 16: Trema em "agüentar"

Tex Platinum n° 16: Hífen em "dia-a-dia"

Tex Platinum n° 16: Trema em "tranqüilos"

Tex Platinum n° 16: Acento em "pára"

Eight - Forasteiro: Indecisão na grafia de EIGHT

Eight - Forasteiro: Indecisão na grafia de EIGHT ("EIGTH")

Heavy Metal - Black & White n°1: Se trata DE, não "EM"

Heavy Metal - Black & White n° 1: Faltou separar "outrosmundos"

Heavy Metal - Black & White n° 1: Hífen solto em "-Este solo!"

Heavy Metal - Black & White n° 1: Falha em "...sobre do que aconteceu."

Tex - Graphic Novel n° 1: Falha em "do jeito quer você os arrumou!"

Pateta  n° 1: Faltou separar "nuncapescamos"

Marada - A Mulher-Lobo: Problemas com a vírgula em "...como, suspeito,..."

Marada - A Mulher-Lobo: Problema de concordância em "tudo isso... e a liberdade... será de vocês."

Marada - A Mulher-Lobo: Faltou duplicar o hífen na troca de linha em "Mulher-/Lobo"

Dylan Dog - Nova Série nº 4: Falha em "na vida nos outros..."

Dylan Dog - Nova Série nº 4: Faltou acento grave em "...a mão de obra..."

Dylan Dog - Nova Série nº 4: Faltou um QUE "Não vê eu estou no..."

O retorno de Wolverine n° 1: Faltou hífen em "bom senso"


Como podemos perceber, não se trata de erros sutis, passíveis de longas discussões gramaticais entre especialistas, mas sim de deslizes GROSSEIROS, extremamente visíveis, que beiram o descaso. São, pois, desvios CRASSOS que assustam pela quantidade e insistência em tantas publicações.

O leitor atual de quadrinhos, colecionador e amante da linguagem quadrinhística, paga pequenas fortunas mensais pelas suas edições. Pequenas fortunas que, espera-se, garantam a qualidade total dos quadrinhos adquiridos em bancas ou livrarias. Pequenas fortunas que vão para grandes editoras (sedentas por vender cada vez mais!), MAS QUE NÃO SÃO REPASSADAS QUANDO DA FINALIZAÇÃO DO MATERIAL PUBLICADO.

Quadrinhos são uma ARTE. E o fato de serem produzidos em massa não pode impactar na qualidade final dessa estética. No mais, vale se fundamentar num dos aspectos mais discutidos e analisados pelos estudiosos da Arte sequencial, que é o fato dela ser, muitas vezes, decisiva na iniciação leitora e cultural de crianças e jovens. Logo, entregar uma obra mal-acabada, defeituosa, nas mãos de um leitor em formação não nos parece adequado e salutar. Por outro lado, tal obra nas mãos de um leitor calejado, experiente, é um verdadeiro DESRESPEITO.

Portanto, das duas uma: ou se diminui o ritmo das publicações no nosso mercado quadrinhístico, intensificando, então, o cuidado editorial na produção dos títulos e garantindo, assim, uma melhor qualidade para eles; ou que se aumente o número de profissionais contratados, com formação especializada, mantendo o ritmo constatado e, IGUALMENTE, a excelência dos produtos publicados. Somente assim evitar-se-á o que parecem ser barbaridades, descasos, descuidos e desrespeito em relação ao cenário artístico-editorial de HQs - o que, consequentemente, contribuirá de forma decisiva para a consolidação do respeito aos quadrinhos enquanto manifestação estética.

No mais, uma linguagem artística que se afirmou e conquistou um merecido espaço na premiação literária mais importante do Brasil, o Prêmio Jabuti, não pode ser (des)tratada dessa maneira. Que este texto sirva de incentivo a mais discussões como essa e que, doravante, nossas editoras busquem a construção de um mercado menos quantitativo e cada vez mais QUALITATIVO. Um mercado que enobreça mais e mais a Nona arte.


P. S.: Dois casos merecem "destaque": o fato de em Eight - Forasteiro, da Panini, o problema ter ocorrido na CAPA da edição; e o DESCASO da editora Mythos com o volume 16 de Tex Platinum, pois a equipe editorial nem se deu ao trabalho de reler o texto e fazer as devidas adequações em relação à nova ortografia do português.