quarta-feira, 20 de junho de 2018

etéreo

habitar
o ar
e passar
(passear)
de maneira incontida
pelas frestas do mundo
num caminho eterno circular
cósmico
e depois de tudo
descansar
desse sempre ir e ir

sexta-feira, 8 de junho de 2018

vago

pr' além desse espaço
d' impenetrável segredo
vou. Cosendo esparços.
               (Haicai XXXIX)

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Duas palavrinhas necessárias sobre Ordem Vermelha, de Felipe Castilho



Repressão. Autoritarismo. Totalitarismo. Manipulação. E anseio por liberdade. São esses os temas que dão base à fascinante e épica narrativa de Ordem Vermelha - Filhos da Degradação, do escritor brasileiro Felipe Castilho. Quatrocentas e tantas páginas fluidas, vertiginosas e vibrantes, bem escritas, que mostram Untherak - a única região conhecida de um mundo fantástico que ecoa, contundentemente, sons da nossa própria realidade, profundamente marcada pelas feridas da desigualdade e opressão.

Lá, como aqui, realidade e verdade são modeladas a serviço de um governo opressor e autoritário, que asfixia e manipula seu povo - sem instrução - por meio da força, da exploração do trabalho e do poder insidioso e sutil, ilusório, da religião e da crença cega. Lá, como aqui, tudo o que foge à ideologia que impera é escondido, deturpado e conspurcado, distorcido e, muitas vezes, destruído por não se adequar ao paradigma dominante. Lá, como aqui, o povo serve unicamente para fazer girar as engrenagens violentas de um sistema doentio que não aceita questionamentos, não dá margem à dúvida, pois "perfeito" e, por isso mesmo, irracional.

No livro, seus trinta e poucos capítulos, bem entrelaçados e construídos, descortinam e nos mostram as poucas e solitárias pessoas que, uma a uma, vão tomando ciência da nefasta e sufocante realidade circundante, se armando e lutando de forma ferrenha e aguerrida para destruí-la e reconstruí-la. Pessoas bastante diferentes entre si, cada qual com suas feridas, cicatrizes e motivações lutando por liberdade e condições dignas de se viver. No afã de conquistar a utopia comum e atemporal de um mundo justo e melhor para todos.

Raças fantásticas, magia, grandes feitos, batalhas sangrentas, emoção e esperança, conspirações audaciosas e revolucionárias e muita política dão o interessante enredo de Ordem Vermelha, que ainda nos mostra um mundo medieval bastante evoluído em questões que pra nós ainda são discutidas sem o êxito que o bom-senso e a racionalidade exigem: homossexualidade, equidade entre homens e mulheres, visibilidade às minorias, valorização da cultura negra etc., são alguns dos assuntos abordados, mesmo que tangencialmente, ao longo da narrativa.

Geralmente as histórias que nos chegam são quase sempre as mesmas, pois oriundas dos mesmos temas e conteúdos fundamentais. O que nos fascina, no entanto, e o que as tornam únicas, especiais e originais é a forma como elas são contadas. E é esse o aspecto que fascina em Ordem Vermelha - Filhos da Degradação. Felipe Castilho escreve muito bem! Apresenta e desenvolve bem o enredo, descreve competentemente o mundo e os cenários e constrói de maneira magistral as imagens das batalhas épicas  dessa grandiosa fantasia medieval.

Cenas "menores" são forjadas com a mesma intensidade e habilidade com as quais são escritas as grandes batalhas. As páginas apresentando Raazi e Yanisha antes da (e, obviamente, na) Arena de Obsidiana, passando pelas descrições das ações de Aparição, as peripécias de Aelian até chegar às dezenas e dezenas de páginas finais de tirar o fôlego - tamanhas a intensidade e tensão dos acontecimentos heroicos - são os exemplos extremos da destreza do autor. Cada qual desenvolvida em seu oportuno momento e prendendo radicalmente a atenção do leitor - sem deixá-lo cair num possível tédio por conta da extensão do livro.

Tudo isso entremeado com páginas diferenciadas, escuras, que mostram o futuro de algumas personagens e que, espero, logo apareçam com os próximos, e possíveis, livros da "série". Este Volume 1 é, sem dúvida, o "prólogo" de uma fantasia bastante promissora e empolgante para o mercado fantástico brasileiro.

É, pois, um universo incrível e verossímil, épico e crítico que, paradoxalmente, nos garante uma fuga parcial das nossas realidades e, simultaneamente, nos condiciona à reflexão e à possibilidade de também lutarmos e revolucionarmos nossos próprios mundos.

Num período de retrocessos sociais, em que a defesa da liberdade, da igualdade, dos direitos humanos, das minorias etc. é quase um crime, uma "conspiração comunista", Ordem Vermelha - Filhos da Degradação é um verdadeiro grito de resistência e um sussurro bem-vindo, provocativo e incisivo de que é possível, ainda e sempre, buscar utopias e lutar por um futuro melhor.