quarta-feira, 20 de março de 2019

Uma breve reflexão sociopolítica a partir de Tex Platinum 19 - Testemunhas de acusação

Uma boa história é sempre aquela que nos impele a refletir sobre a sociedade circundante. E é justamente por isso que Tex, Testemunhas de acusação, chama tanto a atenção: ecoa indagações interessantes e importantes sobre nosso cenário social atual. Com roteiro de Claudio Nizzi e desenhos de Victor de Lá Fuente, a narrativa ágil e inteligente faz parte do volume 19 de TEX PLATINUM.


Na trama, Tex e Kit têm que realizar a escolta de algumas testemunhas indígenas até a Capital Washington, pois lá há a denúncia de um esquema de corrupção envolvendo o desvio de verbas públicas destinadas à causa dos índios. Assim, os envolvidos em tal esquema planejam diversas emboscadas no caminho dos Rangers e seus escoltados, dando início aos conflitos da edição.

De 1948 até os dias de hoje, Tex Willer aprendeu muito. Suas histórias ficaram mais criativas, profundas, interessantes. Seu caráter foi solidificando-se mais e mais: um verdadeiro herói defensor dos fracos - o que quer dizer vulneráveis socialmente - e oprimidos (mulheres, negros, índios...). Fiel aos princípios da justiça e, por isso mesmo, nunca fazendo-a com suas próprias mãos, é, pois, um defensor da lei disposto a tudo para que os braços da legalidade alcancem e punam os bandidos e malfeitores que a agridem. 

Tais idiossincrasias, aliadas ao forte caráter de Águia da Noite (como Tex é conhecido entre os líderes indígenas), são responsáveis por suscitar questões tais como: Se Tex aparecesse hoje, aqui no Brasil, como ele seria visto ante tal cenário sociopolítico - um cenário ora indiferente ora violento em relação aos vulneráveis? Seus ideais e valores seriam festejados como nos gibis? O mocinho seria exaltado ou escorraçado por lutar a favor dos grupos sociais minoritários que ele tanto defende em suas histórias?

Isso porque, no Brasil atual, tudo está radicalizado. Muitos fatos sociais, políticos e ideológicos condicionaram grande parcela da população a extremos, reduzindo-a a rótulos como "de direita", "esquerdista", "comunista", "capitalista" e diversos outros. E em tempos de extremismo, o bom-senso e a razão, características fundamentais para o bem da sociedade, são soterrados pela ignorância e pelo preconceito - e, nesses casos, heróis como Tex e seus pards se fazem necessários, justamente, por serem ponderados.

A defesa dos direitos humanos básicos, a defesa de minorias, a busca por igualdade e justiça, a demarcação das terras indígenas, o combate ao racismo e preconceito, a tolerância religiosa, a luta pela não exploração do trabalhador, a igualdade de direitos a homens e mulheres e tantas outras bandeiras levantadas pelos que lutam por um mundo melhor são ações rotuladas, pejorativamente, como pertencentes à ideologia "de esquerda". No entanto são ações ponderadas, razoáveis - e ponderação e razoabilidade NÃO CABEM EM ÉPOCAS EXTREMADAS. Portanto, e infelizmente, Tex e seus companheiros de luta não seriam bem-vindos em nossa sociedade.

Tex Willer não defende que "bandido bom é bandido morto". Seus princípios, condizentes com a civilização que busca avançar em direção à paz e harmonia entre os povos, são incompatíveis com a mentalidade de amor à ignorância, à desigualdade e à violência que assolam o país. "Vá pra Cuba", "Está compadecido com bandidos, leve-os pra casa", "Direitos humanos para humanos direitos" seriam estas as expressões que nosso herói teria de escutar, diária e obrigatoriamente, por aqui.

Passagens como as das páginas 182 e 183, em que o índio Joselito conversa com Tex sobre os homens da cidade grande que "vivem como formigas enlouquecidas, atrás de trabalho e dinheiro", infelizes e sem brilho e vida no olhar, seriam tidas como "doutrinação esquerdista". Enquanto que a fúria de Tex contra o discurso racista e segregacionista feito pelo passageiro do trem, lá nas folhas 149 a 151, seria rotulado como "mimimi" - e, também, "de esquerda". Mais uma vez: onde há extremismo, morrem o bom-senso e a razão.

Testemunhas de acusação é uma ótima história (a melhor da série Platinum!). Nos mostra bem os valores pelos quais Tex luta. Mostra também que é preciso engajar-se nas disputas políticas, pois somente assim grupos minoritários e em situação de vulnerabilidade podem organizar-se na tentativa de cessar a opressão - como fez o índio Ely Parker, o Comissário de Assuntos Indígenas de Washington ao inserir-se na "terra dos brancos", visando melhorias para o seu povo.

Que a trama nos sirva de lição nesses tempos difíceis, em que impera a veneração à violência (física e psicológica) e ao desrespeito ao SER HUMANO.

P. S.: Imagem retirada do site da Editora Mythos.