terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Uma leitura da capa de Dylan Dog, O caminho da vida

A capa de O caminho da vida, a mais recente publicação (no Brasil) dos quadrinhos da personagem italiana Dylan Dog, é certamente das mais interessantes. Desenhada pelo criativo artista Angelo Stano, capista das narrativas insólitas do Investigador do Pesadelo, ela mostra Dylan nas cinco fases da vida do homem - a infância, a adolescência, a idade adulta, a meia-idade e a velhice - numa escadaria sempre ascendente. Tudo simétrica e precisamente disposto na imagem.



São os pequenos detalhes da imagem, colocados ali de maneira rigorosa e deliberada, que nos leva a considerá-la uma peça singular. O primeiro deles é a espaço-temporalidade da cena: temos noção temporal, a partir do caminhar regular e das mudanças físicas da personagem, mas desconhecemos o espaço, o lugar. Relacionando isso com a nebulosidade difusa que engloba a ilustração, torna-se impossível não fazer uma analogia com a existência, pois conhecemos precisamente seus ciclos, no entanto desconhecemos seus extremos, suas pontas: de onde viemos e para onde vamos depois daqui.

A precisão ascendente da passagem do tempo, seu eterno avançar e sua irreversibilidade são o segundo detalhe. A cada três degraus, um salto temporal, uma nova fase na vida do homem: da infância à adolescência; desta para a fase adulta; depois para a meia-idade e, finalmente, em direção à velhice. Um caminhar constante que finda apenas na inevitabilidade da morte. Tem-se, assim, o ciclo completo.

O terceiro pormenor concentra-se nas feições do rosto de Dylan Dog: a curiosidade vivaz infantil; a imprescindível revolta indiferente da juventude; a tenacidade e perseverança ao fitar um horizonte de expectativas pra vida na fase adulta; a frustração e o cansaço da meia-idade; e a melancolia e espera apática na velhice. Cada nova estação da vida bastante próxima das anteriores, tornando nostálgico o viver.

A quarta minúcia da cena encontra-se nos gestos inerentes às referidas etapas da vida. Neles vemos os impulso e desejo da criança; as mãos nos bolsos simbolizando a aparente indiferença do adolescente; os passos firmes e resolutos do adulto; os ombros arqueados e cansados e a face no chão da meia-idade; e, por fim, o arrastar-se e a estaticidade da fase senil. É deste vagaroso, semi-imóvel arrastar-se que chegamos ao último detalhe que torna a leitura de tal capa tão interessante: a ação de caminhar.

Todas as fases vividas retratadas na imagem enfatizam um constante caminhar em direção ao porvir. Apenas a figura já velha de Dylan Dog não caminha mais, apenas espera - na certeza da sua impossibilidade de avançar. O medo, aqui, torna-se evidente, pois o próximo passo, a morte, é o derradeiro; é o fim do caminho da vida. Vontade, coragem e anseio são substituídos definitivamente por seus opostos: agora é esperar rememorando o que foi ter vivido.

Vida e morte, juventude e velhice, mobilidade e estaticidade, agir e hesitar são algumas das palavras que, em oposição de sentidos, fundamentam e estruturam os vários significados e possibilidades de leitura que emanam da arte desta capa. Significados estes que irão se entrelaçar de maneira perfeita ao universo do Investigador do Pesadelo, Dylan Dog.

P. S.: A história O caminho da vida foi publicada na Dylan Dog Série Clássica n° 13, de janeiro de 2020, pela Editora Mythos.





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