Catalizador de extremos. Talvez seja esta a mais verdadeira e óbvia definição sobre a figura Raul Seixas e sua incrível e extraordinária obra poética. Poética? Sim, visto que, inicialmente, os poemas eram cantados com o acompanhamento de instrumentos musicais.
Claro que esta característica foi sendo deixada à margem ao longo da sucessão dos séculos, mas a sonoridade se perpetuou nas composições dos poetas, que exploravam cada vez mais o aspecto sonoro das palavras quando da confecção artística dos seus versos. Assim, pode-se, sim, considerar grandes feitos musicais como poemas.
E as músicas de Raul Seixas, muitas delas, são bons exemplos da definição dada no início deste texto, de que o músico foi um catalizador de extremos. Uniu em si e na sua poética o ordinário e o extraordinário, o popular e o erudito, o místico e intrincado com o real e de fácil assimilação. Roque e baião, jegue e lambreta, nacional e estrangeiro etc.. Enfim, metamorfoseou-se, deliberadamente, com o vulgar e o insólito, numa dança que amalgamava o velho e tradicional e o novo e contracultural, sendo um dos exemplos mais notórios da antropofagia modernista na música brasileira.
E as músicas de Raul Seixas, muitas delas, são bons exemplos da definição dada no início deste texto, de que o músico foi um catalizador de extremos. Uniu em si e na sua poética o ordinário e o extraordinário, o popular e o erudito, o místico e intrincado com o real e de fácil assimilação. Roque e baião, jegue e lambreta, nacional e estrangeiro etc.. Enfim, metamorfoseou-se, deliberadamente, com o vulgar e o insólito, numa dança que amalgamava o velho e tradicional e o novo e contracultural, sendo um dos exemplos mais notórios da antropofagia modernista na música brasileira.
Essa faceta multifacetada do maluco beleza é bastante visível se pensarmos nas músicas Conserve seu medo e Magia de amor - ambas com a coautoria de Paulo Coelho e pertencentes ao LP Mata virgem, de 1978 (WEA). A primeira representando o domínio de composições poéticas populares, ou seja, construída por meio de redondilhas - neste caso, menores - , e a outra revelando características eruditas, com versificação hendecassilábica, isto é, com onze sílabas poéticas em cada verso. As duas mostrando fundamentação literária.
Conserve seu medo
Conserve seu medo
mantenha ele aceso
se você não teme,
se você não ama
vai acabar cedo
Esteja atento
ao rumo da história
mantenha em segredo
mas mantenha viva
sua paranoia
Conserve seu medo
mas sempre ficando
sem medo de nada
porque desta vida
de qualquer maneira
não se leva nada
E ande pra frente
olhando pro lado
se entregue a quem ama
na rua ou na cama
mas tenha cuidado!
Conserve seu medo
mantenha ele aceso
se você não teme,
se você não ama
vai acabar cedo
Esteja atento
ao rumo da história
mantenha em segredo
mas mantenha viva
sua paranoia
Conserve seu medo
mas sempre ficando
sem medo de nada
porque desta vida
de qualquer maneira
não se leva nada
E ande pra frente
olhando pro lado
se entregue a quem ama
na rua ou na cama
mas tenha cuidado!
Além de ter uma mensagem linda e simples, de fácil assimilação, vê-se o uso dos versos pentassílabos, de cinco sílabas poéticas, na metrificação da canção. Esse tipo de versificação foi e é bastante usado em composições populares e seu uso mostra o quanto Raul conhecia as ferramentas necessárias para criar sua arte de acordo com suas finalidades expressivas. Assim, uma temática popular como em Conserve seu medo, é apresentada em estrutura também popular. Temos, aí, um bom exemplo de um dos extremos da criação raulseixista.
Por sua vez, refletindo o outro lado do artista,
Magia de amor
Me fascina tua morte mal morrida
e tua luta pra ficar em tal estado
E teu beijo, tão fatal, nunca me assusta
pois existe um fim pro sangue derramado
Me fascinam os teus olhos quando brilham
pouco antes de escolher quem te seduz
e me fascinam os teus medos absurdos
a estaca, o alho, o fogo, o sol, a cruz
Me fascina a tua força, muito embora
não consiga resistir à frágil aurora
E tua capa, de uma escuridão sem mácula
Me fascinam os teus dentes assustadores
e teus séculos de lendas e de horrores
e a nobreza do teu nome, Conde Drácula
Aqui, uma breve observação revela o uso da métrica hendecassilábica, ou seja, os versos se apresentam com onze sílabas poéticas, além das estrofes se materializarem em dois quartetos e dois tercetos, característica do soneto - que por si só já é algo requintado. Este tipo de versificação, de acordo com alguns estudiosos, marcou um novo estágio nas produções poéticas do século XVI, sendo ofuscado, posteriormente, pelo verso decassílabo (este sim, parte fundamental do soneto). Em Magia de amor, não há um tema popular; pelo contrário, há uma espécie de homenagem a um Conde, alguém de posição social elevada. Justamente por isso, essa temática é apresentada numa forma requintada e erudita, exemplificando o outro extremo da produção de Raul Seixas.
e tua luta pra ficar em tal estado
E teu beijo, tão fatal, nunca me assusta
pois existe um fim pro sangue derramado
Me fascinam os teus olhos quando brilham
pouco antes de escolher quem te seduz
e me fascinam os teus medos absurdos
a estaca, o alho, o fogo, o sol, a cruz
Me fascina a tua força, muito embora
não consiga resistir à frágil aurora
E tua capa, de uma escuridão sem mácula
Me fascinam os teus dentes assustadores
e teus séculos de lendas e de horrores
e a nobreza do teu nome, Conde Drácula
Aqui, uma breve observação revela o uso da métrica hendecassilábica, ou seja, os versos se apresentam com onze sílabas poéticas, além das estrofes se materializarem em dois quartetos e dois tercetos, característica do soneto - que por si só já é algo requintado. Este tipo de versificação, de acordo com alguns estudiosos, marcou um novo estágio nas produções poéticas do século XVI, sendo ofuscado, posteriormente, pelo verso decassílabo (este sim, parte fundamental do soneto). Em Magia de amor, não há um tema popular; pelo contrário, há uma espécie de homenagem a um Conde, alguém de posição social elevada. Justamente por isso, essa temática é apresentada numa forma requintada e erudita, exemplificando o outro extremo da produção de Raul Seixas.
O que se quer dizer com tudo isso é que o maluco beleza transitava, deliberadamente, por esses extremos acima mencionados. Tanto em questões temáticas, quanto em relação à materialização expressiva desses temas, encontram-se os extremos popular X erudito expressos por versos redondilhos e hendecassílabos.
É claro que esses detalhes não são perceptíveis à maioria das pessoas; necessitam, pois, de uma análise e de um estudo para virem à tona. Porém, essas análises existem aos milhares para comprovar uma genialidade bem antes já revelada (e, aí sim, percebida facilmente por àqueles que escutam com atenção essas músicas) pelo conteúdo e pela mensagem das criações poéticas de Raulzito - esse eterno ícone da cultura brasileira.
P. S.: Imagens retiradas do Google.
P. S. 2: As informações referentes à versificação constam na Gramática do português contemporâneo, de Celso Cunha.
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