domingo, 30 de maio de 2021

O estranho Porvir em OMAC, de Jack Kirby

É sempre interessante conjecturarmos, a partir do passado e inseridos num dado presente, sobre as possibilidades de um possível futuro. Algumas dessas conjecturas materializam-se esteticamente, é o caso de OMAC - Operativo Máximo para Ações de Combate (Panini, 2021), criação do quadrinhista estadunidense Jack Kirby (1917-1994) para a DC Comics, nos idos da década de 1970.

O quadrinho é uma distopia futurista que resvala em 1984, de George Orwell, e vai além por sua criativa inventividade - mesmo centralizando-se no âmbito do gênero Super-herói. OMAC é um super-homem modificado tecnologicamente por um singular satélite espacial denominado de Irmão-olho, uma Inteligência Artificial resultante de uma secreta e avançadíssima tecnologia. Assim, em um universo onde homem e máquina se confundem, o jovem inseguro e desajustado socialmente Buddy Blank é recrutado pela AGP - Agência Global de Paz e torna-se o heroico OMAC, o "exército de um homem só", combatendo todo tipo de ameaça criminosa. 

Obviamente que tão somente isso, por si só, não mereceria uma resenha como esta, pois isso é o básico em qualquer universo ficcional das HQs de super-heróis. O que realmente chama a atenção, e que verdadeiramente suscita qualquer discussão, são os perigos que surgem no Porvir - o futuro que J. Kirby criou -, germinado a partir da soma de vasto poderio tecnológico mais a insensibilidade e ganância humanas. São, portanto, as ideias referentes ao futuro da humanidade que fazem com que a obra, dos anos setenta (é bom frisar), seja bastante interessante e mereça ser discutida.

A primeira delas surge, estranha e inquietamente, já na capa da HQ: a mulher, até então vista como objeto de prazer, é retratada como um "brinquedo" montável ("Amiga para montar", um ambíguo nome) que engana, seduz, confunde e, nas mãos do crime, explode seu alvo. E ainda: uma organização mundial de segurança e paz, sem distinção de nacionalidade entre seus membros graças a um spray cosmético que manipula a pele do rosto, modelando a todos de igual forma. E mais outra: venda ilegal de corpos jovens com o intuito de receber os cérebros, via cirurgia computadorizada, de sexagenários sem escrúpulos e abastados financeiramente ("Corpo novo, alma velha", literalmente - como nomeado em um dos capítulos).


Além desses, há vários outros conceitos a permear as páginas que compilam as oito edições da série nesse único volume. Alguns muito intrigantes - como veículos que se locomovem com energia magnética, similar a um ímã - e outros tantos assombrosos: pessoas miseráveis, aparentemente moradores de rua, que se submetem a experimentos radioativos ou hormonais e tornam-se monstros que passam a trabalhar para a criminalidade - única alternativa financeira; super-ricos, a elite econômica que pode ALUGAR (isso mesmo!) cidades inteiras para suas festivas excentricidades. Ideias bastante peculiares que se concretizam no Mundo do Porvir - o espaço ficcional da história.

Explicações simples, mas muito verossímeis, tornam-nas bastante críveis dentro do universo de OMAC, ainda mais quando levamos em conta algumas particularidades referentes ao contexto histórico da época em que Kirby o concebeu (Guerra Fria, Ameaça nuclear, Corrida espacial, Avanços tecnológicos etc.). Por mais incríveis, absurdas e insólitas que possam parecer, como roubar a água de rios e oceanos, condensá-la em pequenos blocos pesadíssimos e chantagear outras nações à adquiri-la, tais ideias ainda são bastante lógicas e racionais dentro da narrativa. E isso, essa verossimilhança, é algo grandioso nas tramas da personagem.

Jack Kirby, que criou, roteirizou e desenhou OMAC, é mesmo um gênio da 9ª Arte. Incontestavelmente! Não apenas por estar no cerne das maiores criações do universo dos quadrinhos, como Capitão América, Quarteto Fantástico, Senhor Milagre, X-Men, Novos Deuses, Thor dentre inúmeras outras, mas pelo modo como as materializa. Seu traço é simples, porém preciso, seguro, direto; seu texto é inteligente, criativo e visionário e a junção de ambos (arte e palavra) resulta numa dinamicidade e plasticidade únicas. Seus quadros movimentam-se e fazem ruídos, com um ritmo, uma harmonia e vivacidade marcantes. E tudo isso aparece em OMAC, a cada virar de página. Que artista!

Não obstante isso, essa riqueza no trabalho com os elementos constitutivos da linguagem dos quadrinhos, OMAC - Operativo Máximo para Ações de Combate ainda consegue escapar ao maior clichê do gênero Super-herói: apesar de parecer, ele não é invencível! Quem vier a ler a presente edição ficará espantado com o final. Isso porque o confronto entre máquinas inteligentes (talvez o próximo estágio evolucionário) e o homem pode representar o fim de ambos, já que isso parece ser, ao menos no quadrinho, um caminho ascendente e sem volta de evolução e degradação da humanidade. Essa é a triste, mas importante, reflexão à qual chegamos ao final da leitura desta singular criação de Jack Kirby. Pode ser, portanto, um alerta, um aviso e uma oportunidade para conjecturarmos outros caminhos possíveis para o futuro, outras possibilidades para o nosso Mundo do Porvir.




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